Editorial de Permanência
por Gustavo Corção
A vida cristã consistindo essencialmente na graça santificante e no conjunto de dons sobrenaturais que a acompanham — virtudes teologais, dons do Espírito Santo e caráter batismal — é dádiva gratuita do Pai àquele que escolheu para configurar ao seu Filho Unigênito, e exige, para o pleno desenvolvimento, correspondência por parte do homem, isto é, que seja recebida inteligente e livremente. Se assim não o fosse, os atos salvíficos não seriam atos humanos, pois estariam destituídos de valor pessoal, sem a resposta conveniente do homem a Deus, sem consciência e sem responsabilidade. A salvação de cada pessoa realiza-se pela escolha de Deus e pela recepção dócil, mas livre, do dom do amor. Deus nos salva respeitando a nossa natureza. O homem a Ele responde como homem. Para que haja o pleno desenvolvimento da vida cristã, para que ela seja realmente humana, há necessidade de que as verdades da fé e os princípios da moral divina sejam conhecidos e cada vez mais aprofundados pelo cristão. O esclarecimento devido da fé e a transfiguração da vida natural são realizados pela educação cristã. Esta supõe a educação simplesmente humana que desenvolve as virtualidades naturais da pessoa, mas diferencia-se dela pela origem, pelos métodos e pela finalidade. Se o temo educação é aplicado à educação exclusivamente humana e à educação cristã, tal aplicação tem um sentido analógico. A não consideração dessa analogia dos termos e dos conceitos a eles correspondentes, univocando-os, além de levar as inteligências a confusões que as cegam, tem conseqüências práticas muito prejudiciais para a vida cristã.
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Em todas as épocas a Igreja sempre insistiu nesta nota ímpar e insubstituível da educação católica, mas nos últimos tempos o fez com mais ênfase pela palavra santa do Papa catequista Pio X, pela doutrina clara, contundente e corajosa de Pio XI, pela sabedoria de Pio XII, ensinando sem subterfúgios, nem coberta de véus, a verdade revelada, ressaltando a diferença intrínseca existente entre a pedagogia católica e os princípios educacionais da moda inspirados no naturalismo de Rousseau, mostrando a distância infinita que vai da moral católica para os costumes depravados da sociedade contemporânea, combatendo de frente a violação por parte do estado nazista, fascista ou comunista dos direitos dos pais e da religião no campo educacional.
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Os pais católicos conscientes da sua fé e da responsabilidade com relação à educação dos filhos, angustiados, revoltados e indecisos não sabem se ainda podem enviá-los para colégios dirigidos por religiosos, pois temem que sejam neles pervertidos na fé, corrompidos na moral, desorientados para toda a vida.
Realmente, o que falta aos nossos alegres tempos não é doutrina católica sobre a educação. O Magistério da Igreja foi fecundo em produzi-la e avisado em advertir os mestres sobre os erros e perigos da chamada pedagogia moderna.
Há carência, sim, de mestres católicos dóceis à palavra da Esposa de Cristo.
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A decadência da educação católica teve início e cresceu juntamente com a degradação da família contemporânea. Todavia a escola supria as falhas da educação familiar. Nas eras pré-históricas de uns quinze anos atrás ainda se conheciam as escolas católicas. Dirigiam-nas religiosos e religiosas dotados de sólidos conhecimentos, sérios na vocação religiosa e intelectualmente honestos. Os tradicionais colégios católicos primavam pela ordem, pela disciplina, pelo respeito. Os velhos prédios, em atmosfera de agradável acolhimento, com a grande igreja sobressaindo ao corpo do edifício, nos quais as figuras austeras dos mestres, a tranqüilidade dos alunos, os páteos espaçosos e arborizados que os rodeavam, o silêncio nos tempos adequados e o vozerio das crianças e dos jovens nas recreações manifestavam sadio contentamento, respeito e religiosidade. Aprendiam-se os princípios da ciência humana, as normas da moral cristã, a doutrina sagrada, rezava-se, e o bom senso que residia na cabeça dos mestres transferia-se para todo o ambiente e para o coração dos alunos. Daqueles colégios saíam homens e mulheres preparados para a profissão, equilibrados para a vida, firmes na fé.
Quem é que tenha passado pelos velhos colégios católicos de padres e freiras e não conserve ainda no coração as mais ternas recordações dos colegas, dos páteos, das árvores, das salas de aula, da igreja e até das enfadonhas e típicas festas do Padre Diretor, do dia do Santo fundador da Ordem, ou do fim do ano? Quem é que nos momentos dolorosos da vida não se lembra da figura bondosa e acolhedora do padre ou da freira, e quantos não vão neles buscar agora, como nos tempos da infância, o conselho sábio e o bálsamo cicatrizante da chaga? O ex-aluno sente-se em casa e a antiga imagem do mestre moço está ainda amavelmente conservada atrás da do velho que agora o recebe com o mesmo olhar de bondade.
Aqueles mestres de priscas épocas deixavam marcas profundas nas inteligências, nos corações, nas vontades, em toda a vida dos discípulos, e dificilmente estes conseguiam distinguir a ternura e piedade dedicada aos pais dos sentimentos que ligavam a eles. É que eles sabiam tão bem compreender o sentido de paternidade que deve envolver o magistério!
Qual o segredo, que vara de condão possuíam aqueles religiosos, simples nos modos, austeros na vida, fiéis à vocação para ligar a si os discípulos por toda a vida?
Peçamos vênia aos atuais, elegantes e desembaraçadíssimos religiosos e religiosas da refrigerada sede da C.R.B. para ousar responder à pergunta com estas palavras do velho Pio XI na sua pré-conciliar Encíclica sobre a educação:
“É indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja Católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não somente elementar, mas também média e superior. É mister, para nos servirmos das palavras de Leão XIII, que não só em determinadas horas se ensine aos jovens a religião, mas que toda a restante da formação respire a fragrância da piedade cristã. Por que se isto falta, se este hálito não penetra e rescalda os ânimos dos mestres e discípulos, muito pouca utilidade se poderia tirar de qualquer doutrina; pelo contrário, virão daí danos não pequenos” (n° 82).
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Vistos os fatos pré-históricos, mergulhemos no presente e penetremos nos colégios que pretendem dar aos alunos o que chama de promoção humana e que, por um desses infelizes esquecimentos, os dirigentes conservam-lhes nos títulos o apelido de católicos unido aos sagrados nomes dos Santos fundadores das Ordens.
Ambiente de barulho e agitação. Multidões de alunos dos mais diversos sexos, com as mais extravagantes roupagens, ou quase sem elas, casaizinhos de adolescentes em colóquios lascivos, sentados pelos chãos, em cima das carteiras, tudo diferente do que devia ser e tudo fora do lugar onde devia estar. Professores leigos, professoras um tanto vestidas, religiosos e religiosas jovens, mas desembaraçadas nos gestos e mais notáveis nas vestes que os leigos, juventude, juventude, juventude, intimidades, intimidades, intimidades, sorrisos de tranqüila realização humana. Em alguns colégios os religiosos ainda conservam a velha tradição de segregação sexual recebendo só alunos ou só alunas. Essa ultrapassada discriminação sobrevive não se sabe porque, talvez pela caturrice de alguns religiosos que ainda na se atualizaram, mas em breve ela desaparecerá, e a escola será realmente uma preparação para a vida de hoje, para o paraíso dos sexos e do sexo, onde “A maior parte aqui passam o dia em doces jogos, em prazer contínuo”...
Aulas de religião? Já era. Oração na igreja, missa dominical? Ferem a liberdade dos alunos que só devem fazer aquilo para o que estão afim. Distância reverente entre mestres e alunos? Criava nestes aversão àqueles. Enfim, o clima da espontaneidade profícuo para o desabrochar a rica, boa, exuberante e adorável natureza humana.
Em tempos longínquos havia nos colégios católicos, o retiro espiritual com o silêncio, as orações, as conferências, para afervorar a vida religiosa dos alunos.
Há, agora, encontro de JOVENS. Nos próprios colégios ou em antigos colégios transformados hoje em casas de encontros, em fazendas, em praias, reúnem-se casais de jovens, sempre casais! e na mais inocente das distrações passam os dias alegremente nos recreios, nas cantatas, nas santas orações, nos diálogos e nas palestras proferidas pelos mesmos vividíssimos e sábios jovens. Participam também dos festivos encontros religiosos que compreendem os jovens e consideram que só por essas manifestações de autenticidade se vai ao Cristo, ao velho amigão. As noites, até alta madrugada, os “shows” de violão e cantos, acompanhados dos cigarros de todas as marcas e espécies, dos “whiskys” e das batidas. Dias de alegria, nos quais os religiosos propiciam aos jovens os deleites que com reserva se realizam nos cubículos das boates e que nas praças públicas o rebarbativo guarda impedem-nos em nome do atentado ao pudor público...
É esta a educação católica de hoje, sem tirar nem por, onde se ensina o palavrão necessário, o ajuste aos costumes do tempo, a devassidão para que tudo se experimente e, assim, conhecer-se bem a vida. Em tudo isso, dizem os superiores religiosos, há o seu aspecto positivo e os tempos de hoje não podem mais seguir o ritmo dos de ontem. A escola católica, que ainda não atingiu ao estado aqui descrito, em breve a ele chegará, porque a pressão dos ainda religiosos de nome é suficientemente forte para consegui-lo e a estultícia dos superiores é bastante forte para permiti-lo. Há um processo de desagregação da escola católica irresistível e inevitável com os atuais homens nas C.R.Bs.
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Já que a autoridade religiosa se omite, aos pais compete zelar para que os filhos não sejam pervertidos na fé e na moral. Dificilmente encontrarão eles ainda um colégio realmente católico. Talvez seja melhor não matricularem os filhos nos colégios de religiosos, porque raro é o que ainda educa religiosamente seus alunos. Se possível, procurem um sacerdote ainda católico que prepare os filhos na catequese.
Mas, acima de tudo, devem os pais aprofundar os seus conhecimentos religiosos para poderem, na medida do possível, transmiti-los aos filhos. Diante da irresponsabilidade dos que deveriam ser os mestres da vida cristã, cresce imensamente a responsabilidade dos pais.
Poderão estar certos de que o auxílio de Deus não lhes faltará para tal mister. A graça de estado não lhes será tirada, já que possuem o sagrado vínculo do matrimônio, título legítimo e eficaz para recorrerem ao Pai e humildemente pedirem a Ele a proteção para os seus filhos abandonados ou pervertidos por aqueles que deveriam ampará-los na fé e salvar-lhes a alma.
Permanência n° 75-76, janeiro-fevereiro de 1975, Ano VIII.